quarta-feira, 28 de setembro de 2011

28º Capítulo





As pesadas passadas que fazia rumo ao relvado dificultavam-lhe o andar, tentar limpar a cabeça naquele momento era impossível e sentia o peso do enorme estádio sobre si. E mais incrível de tudo, é que nada o afectava. Até áquele momento. Podia jurar que o olhar que se repetia vezes e vezes sem conta no seu pensamento o obsorvia sem deixar espaço para se encontrar novamente. Tinha de se agarrar a algo, e agarrou-se aos gritos ensurtecedores que se faziam ecoar a cima de si.

Pisou o relvado e deixou-se envolver nos braços da chuva, que mais uma vez lhe baixavam levemente os cachos. Olhou para o céu e pediu protecção. Protecção e orientação. Nada mais lhe convinha naquele momento.

Rubem continuava a olhar para o seu companheiro com desconfiança, conhecia-o como a palma da sua mão e sabia que algo lhe puxava os ombros contra o chão. Mordeu levemente o lábio e pensou em seguir na sua direcção, mas jurava que seria melhor deixá-lo voltar a si, por si só. Até que podia adivinhar o que se passava, mas questioná-lo naquele momento, no meio de milhares de pessoas não seria com certeza o que deveria de fazer.

Dirigiu-se então ao banco de suplentes para matar um pouco os nervos, que lhe pesavam mais do que a sede. E foi então que olhou em frente fixamente, deteve-se no instante a seguir. Reconheceu de imediato a cara que se distorcia de tanta culpa exposta. Era ela.

Sofia congelou quando aquele olhar se depositou sobre si. Levantou-se levemente e respirou o mais pesadamente que podia. Viu Rubem a olhar na direcção de David e sentiu todo o seu corpo contorcer-se com a possibilidade de ele o chamar. Dirigiu-lhe o olhar mais desesperado que alguma vez tinha feito e pediu-lhe, sem palavras, que não o fizesse. Conseguia sentir os seus olhos turvos darem de si, as suas mãos que não lhe obedeciam mais. Rubem quase que lhe podia ler o pensamento, a imagem que deixava transparecer inibia as palavras de serem ditas. Recuou um pouco e voltou para a sua posição, Sofia voltou a respirar e deixou o coração recontorcer-se novamente. Sentou-se e focou-se mais uma vez em David, parecia um pouco mais animado ou pelo menos esforçava-se para isso.

“Longe da vista, longe do coração”

Viu David a esboçar um leve sorriso, afinal ainda não a tinha visto. Talvez fosse melhor assim.

terça-feira, 12 de abril de 2011

27º Capítulo






O apito soou no estádio. David dirigia-se para o balneário com a cabeça baixa, os seus cachos pingavam repetidamente devido à enorme chuvada da 1ª parte do encontro. Sofia conseguia reparar na evidente ruga de expressão no seu rosto, algo que só se fazia notar em situações extremas. Nem o puxar de milhares de vozes o fazia subir a cabeça, nem os toques de ombro em sinal de apoio e esperança por parte dos seus colegas pareciam surtir efeito. Uma mão agarrou-lhe fortemente o braço e forçou-o a deter-se nos seus pensamentos. Era Rubem. Tinha o dever de o fazer, mas conhecia-o demasiadamente bem para lhe perguntar o que percorria a sua alma.

David agradecia eternamente a quem tinha metido aquele homem no seu caminho, seria sem dúvida alguma um companheiro para a vida. Mas não fazia intenções de lhe dizer o que quer que fosse, nem a ele nem a niguém. Piscou-lhe levemente o olho e continuou o seu caminho rumo ao balneário.
Sofia voltou a sentar-se e limpou a testa, por este andar caminhavam para um dilúvio. O seu olhar voltou a perder-se no relvado, abanou levemente a cabeça controlando a sua respiração. Aquilo estava literalmente a matá-la e pior de tudo, sabia que David também estava assim. Sentia-se suja e cobarde por não o ter conseguido enfrentar, sentia-se uma manipuladora por acidente.

David apoiava o seu queixo nas duas mãos enquanto tentava fazer um esforço para ouvir o que o seu mister dizia. A táctica estava delineada, mas certamente não se lembrava de nada. A sua cabeça estava em outro sítio. Todos se levantavam e rumavam ao túnel que dava acesso ao relvado, um companheirismo e respeito incrível reinavam naquele balneário.

-David!

-Mister.

Jesus aproximou-se lentamente de David que se encontrava ainda no seu lugar, com uma garrafa na mão e uma toalha no ombro. A posição que Jesus adoptou revelou o que pensava, era a última coisa que lhe podia acontecer naquele momento. Desempenhar o seu papel mal e desapontar a equipa tornára-se a gota de água.

-Preciso de ti ali dentro.

David encarou-o e acenou positivamente, ainda que com pouca convicção. Devia a este clube a sua vida, ainda que estivesse miserável.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

26º Capítulo



Travava a maior batalha interna alguma vez experenciada e nem sabia muito bem o que sentia naquele momento. Nada corria bem a David, sentia-o distante e completamente apagado. Sem garra, sem ambição e pior de tudo, sem amor à camisola. Misturava-se por entre as figuras em campo e passava despercebido, tentava correr e nem isso lhe saía bem. Os nervos começavam a tomar conta de si por não conseguir dar o rendimento que queria. Parou e meteu as duas mãos na cintura, levantado a cabeça. Ficou assim durante dois segundos até que sentiu uma gota acariciar-lhe a cara. Abriu os olhos e viu que começara a chover abundantemente.

Sofia olhou para o céu sem reacção possível e assim ficou. Fechou os olhos e engoliu a seco, seria certamente uma noite abençoada. No momento em que David olhou para cima, a primeira gota de água descia e banhava o relvado, limpava-lhe a cabeça e relaxava-o. Ela pediu por tudo para que isso acontecesse, para que uma luz surgisse no seu caminho e o fizesse apagar os momentos passados. Se era disso que David precisava para voltar ao normal, estaria disposta a abdicar dele sem pensar duas vezes. Preferia perdê-lo e vê-lo feliz, do que não o ter e observá-lo naquele estado miserável.

Sofia levou as mãos ao cabelo e apanhou-o, antes que ficasse mais ensopado. Um rabo de cavalo simples ficava-lhe simplesmente deslumbrante, chegava-lhe a meio das costas mesmo com um elástico a segurá-lo. Tinha a cara encharcada da chuva, agora quase torrencial.

David arrancou velozmente e fez um carrinho ao adversário, tirando-lhe a bola mesmo em frente ao banco de suplentes do Benfica. Levou as mãos aos joelhos e ficou assim durante alguns segundos. Respirava pesadamente. Subiu o olhar e deparou-se com o seu míster, completamente imóvel e intocável focado sem si. Nada lhe disse, apenas mastigava a chiqlete que tinha na boca. Sofia levantou-se de um impulso só com o coração na boca, literalmente na boca. A troca de olhares entre David e Jesus não precisava de legendas, ela conseguia ler nas entre-linhas. Levou uma mão á boca e susteve a respiração, tal como todo o Estádio.

Jesus levou discretamente a sua mão direita á testa e afastou-se de David, que ainda o seguiu por breves instantes com o olhar. Levantou-se finalmente e retomou a sua posição sem olhar para trás. Sofia focou-se em Jesus, que mantinha os braços cruzados. A sua cabeça baixa era sinal de que algo não estava bem. Olhou em frente e deparou-se com Sofia, reconheceu-a de imediato. Deteve-se. O seu olhar deixava transparecer preocupação, receio, confusão. Voltou a baixar a cabeça e analisou novamente o jogo. A vida não estava fácil para Jesus e ela sabia-o, precisava rapidamente de respostas para o estado do seu ‘miúdo’.

Algo lhe dizia que aquele jogo não ia acabar bem, e talvez quem fosse sair pior era mesmo David.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

25ª Capítulo


O som de um potardo a rebentar fez com que desperta-se com um pulo enorme. Instintivamente olhou em frente e viu que as equipas tomavam já o seu lugar no campo, preparadas para dar o tudo por tudo. Ela contorceu-se imediatamente quando os seus olhos se depararam com David, tinha perdido todo o seu brilho. O seu sorriso característico desaparecera, o olhar cravado no chão enquanto ajeitava a braçadeira de capitão arrastou-lhe o coração. Viu-o olhar em volta, completamente perdido e desenquadrado, viu-o abanar a cabeça e levar a mão à testa. Não era ele.

Instintivamente Sofia levantou-se do banco e caminhou a passos largos para o relvado, foi impedida por uma mão forte que a chamou à razão.

-Onde pensa que vai Sofia? O jogo vai começar, não pode entrar em campo agora. Descontraia!

Sofia ficou longos minutos focada no seu Comandante, ela iria mesmo dar parte fraca se não a tivesse agarrado. Estava preparada para esquecer tudo e correr para David, vê-lo naquele estado estava a matá-la completamente. E talvez o pior de tudo, era que sabia ser por sua causa.

-Fonseca!

-Comandante.

-Repare no David Luiz, o miúdo não está bem. Não vejo nada quando olho para ele, nem raiva, nem garra.

Sofia fechou os olhos e encolheu-se quando ouviu estas palavras, que a trespaçaram como uma lança. Voltou a sentar-se e focou novamente o olhar em David. O Comandante tinha razão, o seu rosto não apresentava uma única expressão. Apenas se mantinha neutro, enquanto ouvia o seu nome ser aclamado de forma estrondosa.

‘Vão ser os 90 minutos mais longos da minha vida’

Viu o jogo com o coração nas mãos, literalmente. Não se podia esconder mais e ainda pedia para não ser vista mas e se..? Sim e ‘se’? Da maneira que o notava apagado, sem luz e sem o brilho de outrora não iria acabar bem. Mais tarde ou mais cedo ele ia cair no chão desamparado, a gritar de dores e aí ela teria de intervir. Seria fatal como o Destino.

Olhava para o campo com a maior das tristezas, Doia-lhe ver David assim, sem puder fazer nada. Talvez fosse melhor assim, seria apenas um jogo e ele voltaria a recuperar. A sua sede de jogar era mais forte que tudo. Tinha de ser ..

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

24º Capítulo




Caminhava lentamente através do asfalto, enquanto tudo e mais alguma coisa lhe passava pela cabeça naquele momento. A sua respiração tornara-se pesada de mais, notava-se nela um misto de medo e culpa. Principalmente culpa. E era isso que mais temia, o olhar repreendedor por parte de David que não poderia evitar. Tinha a certeza que isso ia acontecer e mesmo assim tentava esconder-se. Os seus companheiros seguiam a passos largos para o relvado e Sofia debatia-se por comandar as pernas sem que ninguém nota-se a angústia que percorria o mais ínfimo milímetro do seu corpo. Levou a mão ao peito, um peso indescritível apoderava-se de si sem que nada pudesse fazer.

Conseguia ouvir os cânticos entoados por toda a Catedral, 65 000 vozes que se juntavam em torno de uma só ambição inevitavelmente esperada. E como ela queria dar tudo de si naquele jogo, mostrar a confiança que tinha na equipa que a tinha conquistado há muito. Simplesmente não era capaz. Não conseguia racionar, muito menos ser lógica. Não conseguia nada naquele momento.

Parou sem prévio aviso, enquanto via o resto dos seus colegas encaminharam-se para o relvado com extrema rapidez. Não poderia dar parte fraca de si, não se permitia a isso. Levemente encostou-se à parede e deixou-se escorregar, fechando os olhos por breves segundos. Rezou e voltou a rezar, pediu por tudo para permanecer invisível. Estava completamente apavorada, sem escapatória possível. Queria permanecer ali mas o dever chamava-a ,e mesmo sentido-se como uma criança de 5 anos que perde os pais, ir contra os seus princípios e crenças era impensável. Aquela farda trazia-lhe uma responsabilidade e orgulho enorme e estava na altura de mostrar isso.

Deixou que as suas pernas a guiassem e quando chegou ao fundo do túnel, não resistiu a sentir-se mais uma vez maravilhada por aquele Inferno Vermelho. Não havia explicação, era impossível descrever a fé e esperança que reinavam naquele estádio. Dirigiu-se aos seus companheiros e esperou, desesperou pelo inicío do jogo. Já que não havia como evitar, ao menos que valesse a pena.

Sofia sentou-se e levemente baixou a cabeça. Ficou então perdida, vagueando pelos seus pensamentos. Conseguia lembrar-se da última vez que aquele recinto a tinha metido a sonhar.

Flashback On

E durante mais um jogo isso tinha acontecido, estavam nos minutos finais e a bola chegou até David Luiz que rematou e fez golo. Todo o Estádio se levantou num ambiente de festa eufórico, o banco de suplentes quase invadiu o campo.

David correu na sua direcção agarrado ao símbolo da águia que tinha no peito, a garra que mostrava era de louvar. Gritava com todo o ar que podia, festejava de uma maneira única. Chegou perto do banco e lançou-se para cima de Amorin, olhou para as bancadas com o punho cerrado o que levou a uma reacção ainda mais visivél por parte de todos os adeptos. Sofia levantou as mãos e gritou, com uma lágrima no canto do olho, ainda tentava perceber como uma pessoa em quem nunca tocou, tomava conta do seu corpo daquela maneira.

David voltou a olhar na sua direcção, desta vez encontrou-a. Ainda sobre o seu companheiro, esboçou o maior sorriso que pode e levou a mão fechada ao peito, batendo nele duas vezes. Sofia acenou positivamente e repetiu o mesmo gesto que David, mordendo levemente o lábio. Os festejos do golo tinham terminado, assim como o jogo. Graças ao seu Campeão, tinham conseguido a vitória. Podia perceber porque era o ‘menino de ouro’ de Jesus, o seu protegido.

Flashback Off

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

23º Capítulo


Final da 1ª volta do campeonato, o Benfica realizava o último jogo do ano na Catedral e esperava-se casa cheia. Desde aquele dia, Sofia tentava manter-se ocupada o quanto possível para não pensar de mais. Encontrava-se no quartel a vestir a camisola, mas até esse simples gesto a lembrava de David. Aliás, tudo a lembrava de David. A decisão que tomou não era negociável. Estava feito e pronto.

-Sofia!- deu um leve salto quando ouviu aquela voz potente chamar por si, acordou-a para a realidade.

-Comandante.

- Acabe de se vestir, recebemos agora uma chamada.

-Emergência?

-Espero bem que não, fomos chamados para fazer a cobertura do jogo na Luz.

Sofia deixou-se cair no banco quando ouviu a palavra ‘Luz’. Andava á meses a fugir dele e agora teria obrigatoriamente de o encarar. Sentiu que toda a sua força tinha deixado o corpo com aquele embate. A sua voz apenas lhe permitiu sussurar:

-Desculpe?

-Sim minha querida, é apenas por pervenção. Já sabe como as coisas funcionam, só espero não ter de socorrer ninguém. Seria mau neste altura do campeonato, não acha?

Sofia mantinha-se imóvel, apenas conseguiu forçar um sorriso amarelo. Viu o Comandante dirigir-se a si, de um só movimento agarrou-a nos ombros e levantou-a.

- Chiça mulher, arrebite se faz favor! Você é das melhores voluntárias que tenho e vou precisar de si caso algo aconteça. Vamos rezar para que não seja preciso a nossa ajuda, ainda queremos ver o nosso Benfica ser campeão outra vez certo? E veja o lado positivo da coisa, ver um jogo à borlix é sempre bom que isto de massas para o meu lado não anda nada famoso. Tem 5 m para estar lá fora, espero por si Sofia. Ah e leve o sobre-tudo, vai descarregar bem esta noite.

‘Descarregar bem? Epá eu não acredito nisto, com tantos colegas no quartel tinha logo de me escolher a mim? Mas que raio estás a dizer, Sofia? Só o vais rever, com sorte vamos ser apenas espectadores no jogo ..’

Sofia tentou recompõr-se e vestiu o sobre-tudo, fechou o cacifo e dirigiu-se à ambulância onde o seu Comandante e mais dois colegas a esperavam. Assim que sentiu o veículo arrancar, pediu por tudo não ter de o socorrer, não notar que ele repara-se nela. Aquele seria com toda a certeza, dos dias mais difíceis da sua vida. E ela estava tudo, menos preparada.