segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

22º Capítulo


- O seu joelho parece melhor, o inchaço diminuiu. Mas não vai poder esforçar muit..

- Eu sei disso.

-Como sabe se nem me deixou terminar a frase?

Sofia encolheu-se, sentiu que tinha falado de mais. Rapidamente arranjou uma desculpa racional o quanto possível.

- O médico referiu isso no centro.

- Ah sim, o médico.

Instalou-se um silêncio enorme naquela divisão, sentiu David recostar-se completamente no sofá. Preferiu não o encarar, apenas conseguia fazer um zapping interminável com o comando. Ouviu a sua respiração demasiado pesada, e talvez nem quizesse olhar mas teve de o fazer. Tinha adormecido: eis o erro que David nunca poderia ter cometido.

Sofia ficou longos minutos a olhá-lo, por um lado desejava que não tivesse adormecido, não lhe desse uma escapatória possível. A aparência angelical que deixava transparecer enquanto mantinha os olhos fechados apenas lhe dava vontade de ficar assim, encará-lo e receber a tranquilidade que ele lhe transmitia. Olhou para a porta e voltou a olhar para David. Apertou com força o sofá e deixou cair a cabeça, os seus olhos começavam a ficar turvos sem que pudesse fazer nada para o impedir. E ela não queria, não queria chorar por alguém que a tratou da melhor maneira possível sem pedir nada em troca. Sabia perfeitamente que iria fechar uma porta para sempre. Para sempre. Ela nunca tinha sido de dramatismos, nem se preocupava demasiadamente com o futuro. Sabia que o seu destino já estava escrito mas existiam expressões que evitava a todo o custo. Expressões como ‘para sempre’ e ‘adeus’. No entanto via-se forçada a usá-las com a única pessoa da qual nunca pensou despedir-se. Não pelo menos desta maneira.

Olhou-o mais uma vez, continuava angelicalmente imóvel. Discretamente elevou uma das suas mãos, pegou num cacho que lhe tapava um pouco da cara e desviou-o. David mexeu-se levemente e um sorriso formou-se na sua boca. Sofia deixou a sua cabeça descair um pouco para a direita, completamente arrebatada com aquela imagem. O seu polegar elevou-se, com a maior das calmas desenhou a boca de David sem lhe tocar. Aproximou o dedo apenas o suficiente para sentir o calor que emanava dos lábios. Esta seria a sua despedida.

Levantou-se do sofá e prendeu o seu olhar no vazio. Estas horas fariam parte da sua vida até morrer. Acreditou vivamente que ia revê-las nos seus sonhos todas as noites. Encaminhou-se para o hall de entrada e voltou a olhar para o sofá. Ali continuava ele, sem que aquela situação o perturba-se. Sofia viu o que parecia ser um bloco de notas em cima da mesa e dirigiu-se a ele. Escreveu 1, 2 ,3 bilhetes até lhe sair algo muito superficial, mas sentido.

‘Ele vai entender. Tem de entender ..’

O seu olhar voltou a cair sobre David, aquilo estava a matá-la. Levou uma mão à boca na tentativa de abafar o choro e encaminhou-se para a porta. Os seus dedos detiveram-se na fechadura durante logos minutos. Deitou a cabeça para trás e sem pensar duas vezes, abriu a porta e saiu. Tinha sido o final da história com o seu menino de ouro, assim pensou ela.

David acordou com a luz da televisão, não sabia quanto tempo tinha passado mas já precisava de um merecido descanso. Levemente os seus pensamentos depositaram-se sobre Sofia. Um sorriso formou-se até encontrar um pedaço de papel no braço do sofá.

‘Obrigado por tudo e por favor, promete-me que vais tentar perceber.

Até um dia.

Sofia’

David largou o papel e rapidamente pegou nas chaves e saiu de casa. Desceu as escadas o mais depressa possívél e abriu a porta do prédio sem se aperceber a quantidade de força que tinha aplicado na fechadura. Parou no meio da rua, olhou para ambos os lados mas não encontrou silhueta que queria. Baixou-se sobre os joelhos e meteu uma mão no chão. Ele não tinha feito nada de errado. Ou será que tinha? É certo que não a conhecia mas partir assim sem lhe dar um explicação ou sem se despedir? Não se conformava. Abanou a cabeça e resolveu voltar para dentro, não valia de nada procurar sem saber onde.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

21º Capítulo


-Acredita no Destino?

Sofia revirou os olhos e deixou o sorriso aparecer novamente.

-Não ouviste nada do que disse pois não?

-Segui cada palavra sua com a maior atenção, mas me diz uma coisa. Porquê entrou no restaurante naquele preciso dia e não noutro qualquer? Ou mais importante, porquê está aqui, neste preciso momento?

-Eu acredito no Destino sim, não há coincidências.

-Há coincidência sim, apenas tanta coincidência junta é impossível.

Sofia voltou a encará-lo, sabia que ele tinha razão. Aliás, sabia que ele tinha toda a razão. Ainda não tinha tido uma falha desde que ela chegára à sua casa e começava a questionar-se quando seria a 1ª. Ela precisava desesperadamente dessa falha como pretexto para sair porta fora. Se a coragem lhe faltava, um erro por parte de David era o tudo o que pedia. Mas o modo como ele fazia as coisas não deixava margem para falhas, cada gesto ou palavra vindo de si apenas o tornavam cada vez mais …

.. Apetitoso.

Sofia sorriu com este pensamento, a palavra ‘apetitoso’ era um adjectivo demasiado pobre para o descrever. Essa palavra ainda estava para ser inventada.

-Mudei de ideia, esse seu sorriso não vale ouro não. Não pode haver ouro que o consiga comprar.

Sofia baixou lentamente a cabeça em sinal de embaraço, não sabia o que fazer e muito menos o que dizer. Tinha com todas as forças que sair dali. Tinha digamos, não queria. O seu cabelo tapou-lhe a cara e o sorriso depressa se esmoreceu como uma leve brisa de vento passageira. Ficou assim, e tão rapidamente como o seu sorriso surgiu e se foi, também os seus olhos ficaram demasiado cristalinos, demasiado emocionais. Apetecia-lhe correr na direcção de David, abraçá-lo e sentir o calor que o seu corpo podia emanar. Mas não, manteve-se imóvel. Algo a impedia de se tornar impulsiva e definitivamente não era David. Esse quase que podia apostar estar disposto a um abraço, a apertá-la contra o peito de uma forma única e ficar assim durante muito tempo.

Sentiu a cadeira onde David estava arrastar-se para o sítio onde pertencia. Cerrou os olhos e engoliu a seco, engoliu as palavras que nunca lhe poderia dizer. Por mais que lhe custasse a sua decisão estava tomada, apenas esperava o momento oportuno para conseguir, sim conseguir realizá-la. Luiz sentou-se ao seu lado e rapidamente Sofia tomou uma postura aparentemente normal. Se alguém conseguisse ler o que lhe ia na alma naquele preciso momento ela tornar-se-ia a mulher mais sub-entendida neste mundo. Quem nunca teve o homem da sua vida ao lado sem nunca existir permissão para lhe tocar? Muitas mulheres sentiram isso na pele.

Mas quem, alguma vez na vida se sentou ao lado do homem que amava sentindo que era admirada por ele, sentindo que nada mais existia por parte dele, além de uma verdadeira sinceridade no olhar, uma preocupação que tocava a todos? Sofia sentia. E talvez por isso se considera-se a mulher mais realizada do mundo, a par com uma grande tristeza que lhe percorria as veias ao mesmo tempo.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

20º Capítulo


- O sofá é enorme David. -Um certo orgulho apoderava-se dele cada vez que a ouvia pronunciar o seu nome, era angelical.

-Eu sei.

Sofia não aguentava sentir-se observada daquela maneira, não por ele. Acho que não suportava um olhar verdadeiramente verdadeiro. Tentou por tudo abstrair-se concentrando-se na televisão. Não o olhou.

-O que estás a fazer?

- Admirando seu perfil.

-Não precisas de estar aí simplesmente para me olhares.

-Eu não estou olhando para você, eu te estou admirando.

Sofia engoliu a seco, percebeu-o. Olhou para ele com o maior nó na garganta alguma vez experenciado, apenas lhe tinha dado a confirmação: o olhar de David não era apenas isso, um olhar. Era o espelho da sua alma.

-Não há assim tanto para adm..

-Você é linda, Sofia.

Sofia voltou a olhá-lo e pode reparar como a forma que apoiava o seu queixo lhe dava um ar angelical e ao mesmo tempo infantil. Não que isso fosse mau, pelo contrário. Deixava transparecer pureza, e isso destruía-a por dentro. Baixou a cabeça discretamente em sinal de embaraço e deixou aparecer um sorriso tão nítido que brilhava sem parar.

-Ué, esse sorriso vale ouro sabia?

- Que eu me lembre, ainda não recebi dinheiro por ele.

-Pois eu apostava a minha carreira nesse sorriso.

Congelou, pode reparar pelo canto do olho a postura mais direita que David adoptou. Esperava uma resposta da sua parte, mas aquilo tinha-lhe batido de tal forma que o seu cerébro como que desapareceu. Esqueceu-se de respirar e só notou quando um ligeiro peso no seu peito denunciou a falta de algo. Tranquilamente disse a 1ª coisa que lhe veio à cabeça:

-Sabes quantos milhares de raparigas morreriam pelo teu sorriso?

-Faço uma pequena ideia..

-E sabes quantos milhões de benfiquistas caíam em cima de mim se apostasses a tua carreira por algo inferior? 6 milhões.

-Algo inferior? Ah não diz isso não!

-Tu és adorado, idoletrado por milhões de pessoas à volta do mundo. Todos esperam o melhor de ti, porque nunca viram o teu pior e mesmo no teu pior consegues fazer levantar um estádio como a Catedral. És o Guerreiro da Luz e o menino de ouro do Jesus, e sabes bem que os Guerreiros nunca podem descansar. Viste o que conquistaste desde que estás no Benfica? Quase que alcançaste o céu David, tens o mundo a teus pés. Deus não dorme, estava destinado assim. Ainda queres mantêr a aposta?

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

19º Capítulo


Trancou a porta e deixou a torneira a correr, as suas mãos em forma de concha abraçaram levemente um pouco de água que levou à cara na tentativa de refrescar a sua mente, de a limpar tanto por fora como por dentro. Apoiou-se no lavatório, deixou que uma gota de água corresse para a ponta do nariz e cai-se de seguida evaporando-se no meio de tantas outras. Tentava encontrar a sua imagem no espelho, mas algo a tinha obsorvido de tal maneira que os seus sentidos encontravam-se completamente distorcidos. Limpou a cara e apertou o trinco da porta, pensou seriamente senão seria melhor mantêr-se fechada naquela divisão. Mas afinal de contas estava a ter aquilo que tanto desejava, e apesar de os seus maiores sonhos comandarem a vida, talvez a realização de alguns fosse algo que nem Deus conseguisse construir.

Encaminhou-se para a sala passando mais uma vez os seus olhos pela parede ao seu lado direito, Sofia sabia que ele a esperava.

- Como está o seu joelho?

Instintivamente deu um salto, e o seu coração acompanhou-a. Ele continuava preocupado, como seria possível? Encontrou-o ao lado da porta da toillete, olhando-a mais uma vez, da única maneira que o sabia fazer: da forma mais verdadeira possível.

- Assustaste-me.

-Me desculpa, não era essa a minha intenção.

-Eu sei.

Virou-se de novo, nunca na sua vida se tinha sentido tão observada. Não pelo menos daquele jeito, qualquer outro homem por esta altura já a tinha olhado de maneira errada e o melhor mesmo é nem referir o nível de preversidade retido nesses pensamentos. Mas com David era diferente, no seu olhar apenas encontrava carinho, preocupação e a mais genuína verdade. Homem assim não existia, não com o estatuto dele, não com a sinceridade que demonstrava, não com a forma como a acarinhava através de um simples olhar. E ela tinha de confessar que a sua timidez tomava conta de si quando David o fazia e pior de tudo: tinha medo que ele percebesse isso. Encaminhou-se para a sala deixando-o à espera de uma resposta.

Deixou cair a cabeça e esfregou freneticamente os seus caracóis. Sofia tinha um sorriso de ouro, valia a pena morrer por um sorriso assim. Mas Luiz começava a pensar desvendar os segredos por detrás daquele perfeito alinhamento, mal sabia ele que talvez tivesse a surpresa da sua vida ..

Dirigiu-se à sala, encontrou-a no sofá concentradissíma na televisão. Deixou novamente aparecer o sorriso torto quando recordou o que lhe tinha dito: “Fique à vontade”. Estava definitivamente a fazê-lo. Ponderou sentar-se ao seu lado mas não o fez. Apagou a luz e pegou numa cadeira arrojado-a com toda a força no chão. Ele queria que Sofia percebe-se a sua intenção. Rodou-a, meteu uma perna para cada lado e apoiou o queixo nos braços por cima da traseira da cadeira. E ficou apenas assim, a admirá-la sem nada mais dizer.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

18º Capítulo



Encostou a sua cabeça à parede em sinal de derrota. Ouviu-o dar uma gargalhada, viu-o levantar ligeiramente a cabeça o que fez os seus cachos balançarem levemente. O seu sorriso era perfeitamente alinhado, intocável e eterno. Podia sentir o seu perfume chegar a si, estava completamente hipnotizada pelo único homem ao qual não podia chegar. Tudo aquilo estava a consumi-la por dentro, um vazio enorme instalou-se dentro de si e instintivamente reagiu à dor preparando-se para sair dali. Desencostou-se da parede e olhou-o apenas mais uma vez, na mesma altura ele voltou a sorrir, ela fechou os olhos e virou-se, estava a tirar-lhe a pouca coragem que tinha para seguir em frente. Manteve-se assim durante mais 10 segundos e deixou a sua perna dar o 1º passo para se dirigir à porta.

- Onde vai?

Ela voltou a parar, aquela voz retirou-lhe completamente a coragem que lhe restava. Ele aguardava a resposta, aproveitou para a olhar de cima a baixo, percorrer todas as suas curvas com o olhar. Apenas reconfirmou o que há muito sabia: era definitivamente a mulher mais perfeita do mundo.

“Não estás sozinho Manz?! Não me digas que é a do restaurante! Oh que caralho, David?!”

Não respondeu a Rubem, dar-lhe-ia atenção quando obtivesse uma resposta por parte dela, que continuava imóvel sem pronunciar uma palavra. Continuava a sentir uma ligeira sensação de culpa porque afinal ele tinha sido a causa da sua queda.

‘Por minha causa? Aww que droga, será? Tanta coincidência não pode existir não..’

- A casa de banho, onde fica?

Sofia não se atreveu a olhar para trás, a muito custo se manteve calma. Se ele não tivesse aberto a boca, a esta hora ela teria desaparecido com toda a certeza. Ou talvez não.

- Primeira porta à direita. Precisa de aju..

-Não, eu vou sozinha. Obrigado.

Viu-a seguir caminho sem o encarar. Aquela atitude por parte dela mostrava medo, medo de quem talvez já tivesse sofrido muito ou simplestemente medo dele. Não no sentido literal claro, mas do mundo em que ele estava, pelo menos assim entendeu. Deixou o telemóvel cair e ficou preso nos seus pensamentos sentando-se na cama. Não sabia bem como chegar a ela e isso estava a deixá-lo um pouco impaciente. Não era habitual viver uma situação tão repentina como aquela, mas sabia que nada era por acaso.

Lembrou-se que Rubem ainda estava a falar sozinho e pegou no telemovél.

-Rubem?

“Mas que raio meu? Já viste o tempo que me deixaste a falar sozinho?!”

-Desculpa mas não vai dar para falar, depois eu ligo para você.

“Ouve lá nem penses que me vais deixar a falar sozinho outra vez, o que é que se passa?”

- Tá passando tudo neste momento.

“Ahm? Mas tu andas alucinado desde que viste aquela gaja meu, não te percebo!”

-Vai perceber.

“Oh fodasse, vais-me explicar a história ou n..”

Não deixou Rubem acabar, levantou-se e dirigiu-se à sala. Não ia preparar nada, o momento deixaria as coisas correr naturalmente.